terça-feira, 31 de julho de 2012

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As minhas noites apesar de escuras eram preenchidas pelo som da música que ecoava nos meus ouvidos e pelo sabor de pequenas dependências de uma noite. Não havia um único momento de silêncio para além daquele que eu lançava para a multidão à minha volta.
Eu era mesmo assim, com uma labareda cálida a explodir das entranhas no meu corpo que aquecia todos em meu redor e alimentava o meu ego. Eu emanava uma forte sensação de sedução com o meu ar inocente, rosto neutro que esboçava sorrisos indirectos enquanto me movimentava lenta e intensamente perante figuras masculinas que arriscavam a sua sorte em dirigir-me uma palavra, um toque, um pedido ou até um beijo roubado, por vezes.
Eu podia ter na palma da minha mão desde uma palavra amiga a declarações de amor eterno, podia ter um abraço inocente a um abraço com segundas intenções e podia até beijar alguém por uma noite ou poder beijá-lo a ele durante o tempo que quisesse até que me fartasse da palavra “amor”.
Mas o meu ser verdadeiro, encontrava-se longe dali onde eu me encontrava no centro do mundo. Estava longe daquele edifício de som vicioso, bebidas coloridas, fumo intoxicante e pessoas atraídas, perdido num oceano de memórias, suposições e imaginação.
A minha mente flutuava nas cores de um azul-marinho. Flutuava no ondular de um olhar que há noite se tornava mais esverdeado do que propriamente azul azulado e foi isso que me trouxe à miséria.
O tempo corria como ele próprio corria de mim e eu limitava-me a vê-los correr juntos para bem longe de mim até que mais nada sobrasse do tal dos olhos claros e que perdesse conta que havia um limite de tempo e começasse a achar que horas fossem minutos. Ou seja, ele deixou-me cedo de mais, deixou-me sem que eu estivesse preparada.
Porque ele foi quem me deixou presa por um olhar, quem me deixou louca por um toque e desejosa por um beijo, foi ele. E quando ele me beijou, o feitiço virou-se contra mim e foi a altura em que eu me tornei a vítima. Endoideci por ele e ele olhava-me com olhos de quem brinca e que se cansa no final e volta à realidade. A realidade a qual eu nunca voltei.
Deixei de saber dançar durante a noite toda e de ter o olhar preso em mim.
Deixei de sair porque fora das quatro paredes do meu Mundo era muito diferente e deixava-me receosa e amedrontada por tudo o que ele fizesse ou por um único olhar. Estava insana.
Insana, repito. Insana por quem não se interessa.
Cheguei a erguer as minhas mãos em direcção à Lua que lança sobre mim o habitual brilho pálido e insonso das noites que passam sem parar. E quando foram impedidas de avançar pelo toque quente do vidro da janela que separa os meus dois mundos, consigo sentir um pouco quente que outrora me envolvia. O pouco calor que para muitos tratou-se de um prazer.
Mas agora sinto-me dolorosamente fria…

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Na minha cabeça, como deves imaginar, passa muita informação distinta. Deves imaginar que passe desde as pequenas futilidades do dia-a-dia até ao mais pormenor escondido e subentendido.
Mas, amor, não imaginas sequer que isto tudo acontece rodeando aquela pergunta que tanto me enche a mente de mil e uma questões relacionadas e pendentes. Enche-me de tanta raiva como mesmo sofrimento e desperta em mim também a curiosidade de tal.
Afinal, o que é que ela tem que eu não tenho?
Fica sabendo, amor, que noto cada mudança de tom de quando o seu nome vem ao assunto, que noto cada súbito temperamento do teu ser e cada brilho que me surpreende no teu olhar. Que noto que os teus gestos mudam de fracos, míseros e insensíveis (os gestos que me fazes a mim) para gestos de calma que balanceiam alguém numa música melódica de adormecer e gestos que também fazem despertar o olhar numa mulher ingénua e despercebidamente perfeita (os gestos que fazes dela).
Fica sabendo, amor, também que sei que quando ela passa ao meu lado com aquele sorriso aberto e arrebitado que tem, quando mostra aquele olhar esbugalhado sem ter nada a esconder e partilha o olhar tão fixado e penetrante, eu sei que ela pensa e que está em ti.
Aí, eu sorrio para mim e tento convencer-me daquilo que sou, porque aquilo que sou não passa despercebido assim tão facilmente de qualquer olhar másculo. Digo e repito a mim própria mil e uma vezes que simpatia como a minha não existe e é misturada com a honestidade que se precisa tal como uma ponta de perversidade que num homem o intriga. Olho-me também no espelho contemplando o meu reflexo e assegurando-me que a curva do outro dia continua com a mesma amplitude de ontem e que estou, aos meus olhos e de outrem, perfeita.
Por segundos, amor. Por segundos, penso que sim e por segundos a resposta é mesmo um mero nada porque ela não pode, nem nunca será mais e terá sempre menos do que eu.
Mas no segundo seguinte, estás tu na minha cabeça mostrando-me os sinais de que falta algo em mim que te manda afugentar-me. Estás lá tu a ensinar-me o que se passa na minha cabeça. Estás lá tu a mostrar-me a resposta à minha temerosa questão e aí... deixo de querer respirar...
Porque nesses momentos, as lágrimas teimam em cair dos meus olhos cegos de dor por saber que o que ela tem é o que eu mais preciso em ti. Porque o que ela tem que eu não tenho é a ti.

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Enquanto o fraco desprezível
Despenha sobre precipícios sem um final,
Como há quem se torne invisível
Perante um só ou multidão tal,
Eu próprio vivo uma tamanha fantasia:
Utopia que me trás mágoa em demasia.

E devo dizer que tão astuto que sou
Não me recordo jamais de acordar
Da neblina ofuscada que me acompanha onde vou.
Tira-me os sentidos, do tacto ao paladar
E então sinto um mero nada na ponta dos dedos.
E albergo eu os seus temíveis segredos.

Torna-se indesejável a um arqui-inimigo,
Visto que fui ensinado a sentir cada pormenor,
Torna-se não só em dor mas sim um malévolo castigo.
Momentaneamente não existe mal pior
Do que viver sem a gentil brisa poder sentir
Ou ser verdadeiramente amado e não conseguir sorrir.

Suave ao toque como uma esbelta rosa
Que se ergue de um mar de espetos,
Gentilmente encostada por uma força poderosa,
Transforma os meus dias arco-íris em cinzentos.
Fere-me o corpo como algo pequeno e insignificante
Esmagado por algo grandioso e exuberante.

Destrói toda a sanidade que possuo.
Fico perdido, miserável e incontrolável.
Fico tão alheio à pessoa que usufruo.
Vejo fugir tudo, a minha alma fica inalcançável.
Custa-me ter que aceitar a sua partida
Talvez por temer a sua eterna ida.

Já tive momentos de pura agonia
Que tornaram o doce mais aprazível
Em algo que me pôs em horrível azia
E não pude esquecer, era inesquecível.
Não passava de uma mera ilusão
Que decompunha-me numa colossal confusão.

Cheguei a gritar e tentar apertar-me
(podia bem ter-me simplesmente matado)
Para desaparecer ou tentar ausentar-me
Do tal Mundo que havia eu criado.
Desconhecia eu que eram miragens só...
Desfizeram-me a mente estável em pó.

Lancei um pequeno esgar de prazer
No pleno momento de escuridão
(uma escuridão de não se poder ver),
No pleno momento de concentração
Em que a minha linha acabava
A linha de um sono terminava.

Suspirei um humilde sorriso
Que se tornou agitado e turbulento
Como o de alguém que perde o siso
No seu perfeito dia cinzento.
Como quem descobria que o pesadelo
Era uma vida a vê-lo.

A ver-me a mim e somente a mim.
E que o acordar de um dia
Se tratava de um violento fim.
Isto era algo que eu não podia,
Nem sequer tentava por fazer,
Acreditar que eu estou a morrer.

Universidade de Bristol


INTRODUÇÃO:

Universidade de Bristol, Sexta-Feira
William suspirou, quebrando o silêncio que se fazia à excepção do som de passos.
Ele, Jared e Aiden não falavam. Caminhavam ignorando qualquer distracção e omitindo tudo o que carregavam em si mas os seus rostos e expressões denunciavam a ansiedade, nervosismo e mesmo até o medo.
Ao longe, já o som da música barulhenta com muita batida ribombava nos seus ouvidos como um veneno que percorriam os seus corpos e as mãos começavam a tremer, ameaçando poder deixar cair as inúmeras garrafas de vodka, absinto e todas as espécies de licores de todas as cores e sabores.
Era sexta-feira. E nas residências universitárias de Bristol às sextas-feiras desvendam-lhes sempre mil e uma surpresas das festas omnipotentes e épicas semanais.
Os seus passos continuaram longos e firmes e o volume da música ia aumentando assim como a quantidade de carros parados na rua, pessoas e tudo o que as pessoas podem fazer, como gritar, cantar ao longo da música, beber até vomitar para o lado, entrar em confusões e o que está para aí além.
Jared reconheceu a entrada e todos pararam perplexos a contemplar a residência, as suas paredes de tijolo vermelho, o jardim de entrada onde já muitos se deitavam, enrolando-se com raparigas caloiras, bebendo garrafas roubadas, fumando e a expelir o jantar.
- Chegámos. – Aiden riu-se.
Os três rapazes entreolharam-se e os seus olhos tanto mostravam o exaltamento que sentiam pela sua primeira grande festa e todos os olhares se arregalaram quando a porta de entrada se abriu, como um convite.
William deteve-os de continuar, esticando o braço direito.
- Acho melhor fazermos uma jura.
- Estás com medo, Will? – William sentiu a ponta de sarcasmo em Aiden.
- Aiden, controla aí o cenário. Bros before hoes*, n’é? – Jared comentou.
- Acho esse lema uma boa jura. Que dizes, Will?
- Ok, então.
- Bros before hoes. – Disseram todos em conjunto, antes de se rirem e entrarem pelo jardim a dentro, vendo a paisagem movimentando-se quase em câmara lenta, ouvindo o coração a ribombar aos seus ouvidos mais alto do que a bateria da música de um subgénero de rock.

WILLIAM:

Chegando ao hall de entrada da residência os três rapazes dispersam-se em diferentes direcções sem dizer uma única palavra.
William pretendia fazer muito mais do que embebedar-se até lhe sair o jantar pela boca fora e encontrar garinas para fornicar durante uma noite desconhecendo os seus nomes. William era o tipo de pessoa pacifica, inocente com ideias simples e pequenos objectivos para os poder concretizar e como tal, William pretendia estudar o comportamento social de tudo à sua volta. Como tal, William iria explorar toda a residência, as suas pessoas e os seus comportamentos relativos ao resto das pessoas naquele clima festivo.
De cabeça meia erguida e passos calmos para não dar nas vistas por ser ou orgulhoso de mais ou com falta de auto-estima, subiu as escadas de madeira à sua frente onde casais já amassados transmitiam o seu amor ou atracão temporária através de beijos molhados, carícias audazes, toques depravados e trocas de saliva com línguas à mistura.
Sem fazer escândalo, William, ao subir as escadas, apontava mentalmente onde, como e quando agiam.
No corredor do primeiro andar, sucedeu-se o mesmo e ficou alguns segundos parado sem saber para onde ir, olhando em volta onde o mesmo cenário continuava.
De repente, um som intrigante chegou aos seus ouvidos: um som humano, uniforme, semelhante a gemidos mas sem ter a certeza disso e vinha da porta do meio.
William avançou para a porta lentamente, abrindo-a com cuidado e espreitou para dentro do quarto. Espantou-se com a imagem das preliminares de uma ménage-à-trois*, com o famoso jogador de rugby da Universidade de Bristol, Dan Cole, e duas das cheerleaders* da equipa, uma delas Amanda, sua namorada e a sua melhor amiga, Hannah, já nos seus trajes menores, trocando beijos e carícias na cama do quarto e sussurrando palavras que da distância a que William estava, não se ouviam. Este, entrou sorrateiro no quarto para tentar ouvir a conversa e perceber o motivo de tanta excitação quanto à partilha de corpos com um terceiro. Tentou aproximar-se ainda mais e ao andar para o lado à procura de um sítio onde se pudesse esconder mas próximos dos três e de olhos postos neles, foi contra a secretária de madeira ocre do quarto que abanou bastante. Os papéis, canetas e outras coisas rolaram para fora da secretária mas William foi a tempo de agarrar algo. Olhou para as mãos e era uma máquina fotográfica digital no modo vídeo, gravando.
Com o barulho, Dan olhou para ele e levantou-se, de boxers, dizendo com a voz grave num tom ameaçador, enquanto se aproximava de William.
- Então, William Ashton? Caloiro e já a tentar se o melhor. – Arrancou a câmara das mãos. – Podes esquecer, nunca ninguém me manchou nem nunca ninguém tentou mas tu… tu vais ver o que te acontece por teres tentado.
- Ouve, Dan, não é o que parece.
- Nunca é, Will.
Assim que parou de falar, Dan espetou-lhe um murro. William, já abaixado, magoado e com medo, engoliu em seco. Dan, agarrou-o pelo colarinho e levou-o para fora do quarto, empurrando-o contra a parede inúmeras vezes e empurrando-o uma vez contra a porta do quarto mais à direita.
Dan continuou os insultos e ameaças, deixando-o cair pelas escadas abaixo, descendo-a murmurando ultrajes no meio dos casais que olhavam com atenção sem dizer nada nem se intrometendo. No fundo das escadas, levantou-o para o levar para o quintal das traseiras. Aí, ergueu o punho e deu o último soco que tinha a dar em William, indo-se embora logo de seguida.
- Então, William Ashton, não é?
William ergueu os olhos e deparou-se com uma rapariga de pele pálida e cabelos pretos lisos, maquilhagem carregada e vários piercings na cara que lhe enfeitavam o rosto de uma maneira exagerada mas perfeita, combinando com as suas roupas pretas de cabedal, correntes e mais acessórios metalizados.
- Bem, eu sou a Candance e tu precisas de uma moca para curar essa alma mais destroçada que o teu corpo. – E piscou-lhe o olho, enquanto o ajudou a levantar-se.
Entraram novamente em casa, subiram as escadas e foram para o quarto mais à direita, onde estavam também um punk e um casal emo mais interessado na cara um do outro do que o que estava em cima da cama: várias garrafas coloridas, dos típicos de álcool mais bizarros, tanto abertas como vazias espalhadas na cama, pequenos sacos de pó branco, erva, um bongo vazio e mesmo charros já feitos.
Por umas boas horas, William já se ria, talvez por já não se encontrar no estado normal e sóbrio, a fumar mais charros do que os cigarros que tinha fumado na sua vida, por snifar o tal de pó que lhe deu uma alegria constante e por ingerir mais álcool do que as garrafas que trazia na mão ao vir para a festa. E até podia estar no meio dos alternativos mas já só tinha olhos para Candance, ignorando o seu estado mental. Ficou ali de sorriso aberto e olhos esbugalhados e brilhantes já carregado de olheiras a olhar para ela enquanto esta se erguia de se ter baixado até ao tabuleiro com carreiras de pó e limpava os restos que tinha no nariz.
Depois, Candance olhou para ele, sorriu com os olhos ligeiramente estrábicos e o seu batom vermelho pareceu mais intenso que nunca. William molhou os lábios com a língua, agarrou com uma mão o seu pescoço e começou a aproximar-se dela…
Mas a porta abriu com um estrondo e todos olharam para trás para ver o que se passava, com o coração a bater depressa com medo de ser algum adulto ou mesmo polícia.
- Estive à tua procura, mano! – Jared apareceu e o clima acalmou, novamente, enquanto o punk voltava à droga e o casal continuava na troca de olhares sem nenhuma acção.
William engoliu em seco o facto de Jared estar vestido com um fio dental vermelho, com o corpo molhado num líquido castanho que aparentava ser e cheirava a chocolate e ainda coberto de natas nos mamilos e virilhas, com um colar de preservativos empacotados ao pescoço e a cara, pescoço com marcas de batom vermelho e chupões que não sairiam passados alguns dias.
- Então, pessoal? – Aiden, sai detrás de Jared com um sorriso forçado, no seu estado normal sem ninguém, nem nenhuma rapariga ao lado, o que era estranho para William e Jared. – Tenho novidades.
- Eu ainda estou a tentar assimilar o facto do Jared parecer um prostituto, mas força.
Aiden aprecia Jared e tenta evitar rir-se mas acaba por se engasgar numa gargalhada.
- Vai haver uma actividade lá fora. – Continuou, ainda entre risos.

JARED:

Jared emanava descontração. Era o tipo de pessoa que não aprecia responsabilidades, medos e ignora quaisquer consequências que possam acontecer com as suas acções. E, para este, mulheres era um antónimo de relaxamento ao mesmo tempo que sentia a normal atracção pelo corpo feminino e pela sua personalidade, não se deixando levar por ela pelo que não era a sua maneira de ser.
Jared ignorou a multidão no hall de entrada para ir pousar o álcool que ele, William e Aiden tinham trazido para a festa e também para dar uns belos tragos para se sentir mais “alegre”.
Caminhou lentamente para a cozinha com um sorriso estampado na cara denunciando o seu bem-estar, roçando-se em desconhecidos para conseguir um caminho para o seu destino.
Baixou o olhar à procura de um local no chão sem vomitado, sujidade, líquidos desconhecidos e lixo para as pousar e mal o fez, ergueu o seu olhar desabrochado.
Aí, a inúmera quantia de olhares femininos, delicados e atrevidos colados nele, olhando-o fixamente com uma ponta de curiosidade e desejo, fê-lo perder o sorriso por alguns segundos. Ignorando todas as curvas perfeitas, os seios erguidos, coxas largas e lábios carnudos pegou rapidamente num copo de vodka pura para acalmar o seu instinto masculino. Procurou fugir à situação, às concubinas, dirigindo-se para a sala onde o som de techno já estrondeava as paredes da residência que, dadas as circunstâncias, parecia extremamente frágil.
O som da batida começou a ecoar na sua cabeça como droga, como se cada vibração percorresse o seu corpo enquanto se movimentava de modo a que se espalhasse mais rapidamente. A música sabia-lhe bem e parecia um auge do máximo deleite auditivo e sensorial à flor da pele. Continuava com aquela lembrança na cabeça do que tinha acabado de acontecer na cozinha e engoliu tudo o que estava no seu copo cheio de uma vez, deixando-o cair no chão e fechando os olhos para conseguir sofrer melhor aquele contentamento. O álcool aqueceu-lhe o corpo rapidamente, arrepiando-o mas fazendo a “alegria” emergir quase momentaneamente, vindo também o vómito à boca.
Ergueu as mãos ao ar e sorriu. Ao abrir os olhos, deu um pequeno salto.
Todas as individualidades que outrora tinham estado presentes na cozinha estavam agora a rodeá-lo, literalmente. Esboçavam meios sorrisos pervertidos, lambiam os lábios e trincavam-nos com desejo olhando com um fogo intenso para a cara e corpo de Jared.
Aproximaram-se lentamente, limitando o espaço entre eles todos e Jared ficou sem ar. Ficou sem ar não por ser tão apertado como realmente era mas porque naquele momento estava numa confusão colossal de beijos de inúmeras raparigas ao mesmo tempo que era amassado por mãos e esfregado por corpos que nunca lhe pareceram tão atraentes. No meio delas, Jared era um objeto e já tinha misturado a sua saliva com excessivas incógnitas.
De repente, sente um apertão ao pescoço. Estava a ser puxado brutalmente pela gravata e já não sabia muito bem o seu estado de vestimentas com a quantidade de apalpões que estava a sofrer. A quantidade de raparigas à sua volta continuava a mesma e a acção desenrolava-se independentemente do local.
Os beijos, as mordidelas e as lambidelas continuavam a ser dados mesmo ao subir as escadas e a personalidade de Jared já tinha feito o seu dever ao esquecer-se completamente das consequências e a estar a aproveitar o momento ao máximo, descontraidamente. Agora, só queria um local em privado para se divertir com as suas deusas e o quarto principal pareceu-lhe o mais indicado.
- Outros?! – Dan Cole ergueu-se completamente nú.
Jared fingiu um desinteresse para situação.
- Irmão… - Olhou para as raparigas. – Tenho necessidades…
Dan riu-se.
- Irmão, hein? – Aproximou-se. – Também eu. – Apontou para as duas raparigas que estavam enroladas uma com a outra na cama.
- Como é? – Sorriu, despreocupado.
- Tudo o que eu sei é que isto é uma suite e ali é o quarto de banho. – Apontou para uma porta.
Jared esticou a mão, Dan apertou-a e começou-se a rir enquanto já caminhava em direcção ao quarto de banho.
Alojou-se na sanita, de tampo descida enquanto uma a uma entravam no pequeno cubículo até chegar a sexta e última joia. Entre risos, despiram-se até ficarem todas nos seus trajes menores diante dele e sem dizer nenhuma palavra, nenhum dado sobre si, aproximaram-se devagar para que Jared pudesse apreciar cada pormenor dos seus corpos.
Jared limitou-se a puxar uma para os seus lábios, beijá-la intensamente e acariciar a curva da cintura enquanto as outras tratavam de lhe despir a camisa já amarrotada e meia desabotoada, as calças e a roupa interior entre toques atrevidos, suspiros de excitação e carícias bem entendidas. Jared ia trocando de alvo frequentemente, deliciando-se com as diferenças de cada uma e apreciando a variedade de deusas que estavam perante ele porque cada uma tinha ou uma cor de cabelo e olhos ou cor de pele diferente. Uma coisa levou a outra e chegou a desapertar alguns soutiens e a tocar em partes menos próprias. O clima estava até demasiado quente mas os risos denunciavam aquilo não seria algo sério mas sim uma brincadeira extremamente sensual. A loira de olhos claros, despiu o fio dental vermelho, ficando completamente despida à frente de Jared, deixando-o sem reação.
- Eu imaginava-o com isto... – Comentou com as outras
Jared riu-se, afastando o medo de si para poder usufruir do momento.
- Eu preferia-o um bocado mais doce. É um desejo… - Comentou a ruiva.
- E quente? Adorava… – A mulata também escapou um comentário no meio dos risos.
Jared estava agora minimamente assustado com aqueles comentários alarmantes. Sempre tinha ouvido sobre sexo com diversos “brinquedos” mas a ideia para aquela noite não era essa e não planeava ver-se rodeado de dildos, vibradores, geles e outros complementos.
Contudo, relaxou ao ver que o que as suas meninas tinham trazido para apimentar (ou devo dizer adoçar?) a experiência era apenas uma lata de natas doces e chocolate.
Adorando assim a ideia, vestiu o fio dental e deitou-se no chão, oferecendo-se à sua mercê.
- Meninas…
Não foi preciso muito tempo para que elas se sentassem sobre ele, com os peitos baloiçando à solta enquanto o cobriam com natas e chocolate. Aproveitavam-se para lamber a sua pele, deliciarem-se nos seus lábios e morder não só o pescoço e braços como outros membros.
Jared estava possuído pela tensão sexual que havia, sentia-se um deus servido de tudo o que era bom e o momento estava mais intenso que nunca mas Jared não se imaginava num enrolamento sexual com inúmeras raparigas. Só necessitava de uma, só queria uma e tratou de ficar sozinho com a que mais lhe parecia atingir a perfeição.
Sabia o seu nome: Stella. Stella tinha os seios de caber numa mão, erguidos e perfeitos com lábios suaves e doces e traseiro levantado sem uma curva mal colocada. Stella tinha também o brilho no olhar de mulher apaixonada, intrigada e desejosa de pecado carnal.
Com as suas línguas já enroladas, Jared sabia que tinha de ir devagar para conseguir chegar onde queria. Ergueu as mãos aos seus peitos antes de descer pela cintura e chegar lá em baixo.
Brincou com o umbigo e levantou a sua saia, devagar.
Gritos. Jared levanta-se bruscamente.
- És um gajo?! – Grita.
- A operação é em breve, amor. Por favor…
Jared leva uma mão à cara e sai disparado, acabando por levar com o stress que devia ter tido em toda a sua vida, em todas as ocasiões que não lhe correram bem. Dan não pergunta nada, Jared dirige-se à porta mais próxima à procura de se acalmar junto aos seus irmãos.

AIDEN:
Não direi que Aiden é o tipo de pessoal humilde que aprecia a companhia de um bom amigo e isso lhe chega simplesmente porque não é. Materialista, completamente viciado nas curvas do corpo feminino, Aiden só queria viver daquela festa o que costumava viver todos os dias: jogos de sedução, toques pervertidos e até mesmo alguma ação sem consequências pois era apenas o momento íntimo de uma noite.
Confiante, deu uma pancada nos ombros de Jared e William que seguiam posições opostas à dele pois este pretendia, para além de transmitir a sua sensualidade natural, criar um clima intenso com o seu cenário de jovem adulto que se sabe divertir, engraçado, querido e modesto. Tudo fachadas, tudo esquemas para conseguir o que alcançava.
Caminhou lentamente para a sala de estar onde se encontrava o DJ da noite mais uma multidão iluminada por holofotes de múltiplas cores que se movimentavam pela divisão.
“Simples. É chegar, sorrir e… marcar!”
No meio da multidão, levantou os braços e deixou-se correr pela vibração do som. Saltou um pouco, cantou a parte da letra que pouco sabia e engasgou-se quando se esqueceu das palavras corretas, disfarçando com um sorriso. Ficou naquela atuação de desinteresse pelo resto enquanto nenhuma individualidade lhe saltasse ao olhar e brilhasse como por magia.
Contudo, o momento chegou e apareceu a personagem que o encantou por completo. Rodeada pelas amigas, Aiden conseguia compará-las a todas a anjos caracterizados pela perfeição visual e um extenso desmaio dos sentidos causavam nele uma excitação brutal como uma criança a admirar uma montra numa loja de brinquedos.
Aproximou-se suavemente dela e começou os jogos. Raspou o ombro no dela como um acidente propositado, pedindo desculpa entre sorrisos. Olhava-lhe algumas vezes e forçava o contacto visual com a jovem rapariga.
Agora, a resposta desta não foi positiva. Sentia-se de longe a abnegação e a maneira como silenciosamente se afastava de Aiden e como não emitia um único som nem esforçava um sorriso, retirando logo os olhos da cara dele.
Respirou fundo. “Álcool e partir para outra.”
Caminhou até à cozinha, quase vazia, onde despejou o resto de absinto num copo e vodka noutro. Voltou à discoteca, mantendo-se perto da porta das traseiras, encostando-se à sua umbreira e um dos anjos passou mesmo à sua frente.
- Olá… – Piscou os olhos duas vezes e sorriu, estendendo um copo.
Sem mais nem menos, o ser angelical tornou-se num demónio, rindo-se para as suas acompanhantes e pegando no copo, deixando um trago de esperança na mente de Aiden. Mas e o consequente? Verteu-o lentamente, aumentando o volume das gargalhadas para que um círculo à volta deste se formasse, contemplando a sua vergonha e a sua dignidade a cair sem pesar.
Aiden voou para longe daquela divisão e saiu disparado pela porta mais próxima de si.
Deu-se no pequeno quintal onde não se passava mais nada do que o cenário habitual do jardim da frente e da rua da residência: vómito, comilanço, fumo e desnorteamento total de muita quantidade de pessoas.
Sentou-se nas escadas e olhou para o seu lado.
- Mano… - Um tipo de cabelo de rastas, chapéu verde, amarelo e vermelho às riscas com roupas esfarrapadas olhou-o. – Queres uma passa? Parece que te caiu uma nuvem em cima.
Aiden pegou no cigarro que o rastafári tinha na mão e meteu-o à boca, reagindo com tosse.
- Veio do Canadá, cannabis pura…
- Aiden e tu?
- Bob.
- Estás a sério, meu?
- Não. Chamo-me Marley.
- Oh…
- Mano, estou a sério!
Aiden ignorou e largou um suspiro.
- A bebida estava boa ou caíste num barril de rum?
Aiden suspirou novamente e contou-lhe a sua história que levou a muitas outras histórias. Partilharam vivenças, crenças e opiniões e a conversa já ia distante tal como as suas consciências.
- Mano… - Marley continuou depois de inspirar. – Sabes o que era fixe?
- Sim?
- Aquilo que deu na TV, do American Pie*…
- Qual?
- Corrida de nudistas.
Sem mais nem menos, Aiden ri-se. Ri-se e bem alto, lançando a cabeça para trás e fechando os olhos enquanto Marley o observa de charro na mão. Quando finalmente se recompõe, levanta-se e puxa as calças um bocado para cima, continuando com os boxers um bocado à mostra.
- Fica aqui.
Aiden percorreu a cozinha, a sala de jantar e passou pelo hall de entrada em direção à sala de estar. Tentou ignorar a multidão que ainda comentava o seu aspeto e deu umas voltas no meio do pessoal dando meia volta rapidamente quando viu o ser diabólico que o pôs no estado em que estava.
Subiu as escadas e tropeçou, pondo as mãos à sua frente para evitar cair de cara mas rapidamente se reorganizou e continuou subindo até à primeira porta que encontrou veloz e furiosamente indo contra Jared que estava mesmo na ombreira desta.
- Então, pessoal? Tenho novidades.
- Eu ainda estou a tentar assimilar o facto do Jared parecer um prostituto, mas força. – William murmurou
Aiden aprecia Jared e tenta evitar rir-se mas acaba por se engasgar numa gargalhada.
- Vai haver uma atividade lá fora. – Continuou, ainda entre risos.
- Então? – Jared perguntou.
- Venham, irmãos.
Jared e William entreolharam-se e seguiram-no pelas escadas até à cozinha.
- Tragam o máximo de garrafas que puderem para o quintal.
Em poucos minutos, Will já trazia 3 garrafas debaixo de cada braço, e o máximo de cervejas entre os dedos assim como Jared também transportava algumas no meio das pernas, andando como um pinguim e fazendo Aiden rir-se que nem um lunático.
- Pessoal… - Aiden abriu a garrafa de vodka. – Nós - Despejou o máximo pela boca, engolindo cada golo com uma expressão facial de dor. – vamos fazer uma corrida de nudistas. – E despiu-se.
William riu-se e bateu na mão de Aiden.
- Vamos, mano.
- Eu alinho. – Jared comentou, despindo a tanga vermelha enquanto Will já tirava as calças.
Antes que começassem a corrida, beberam o máximo de álcool para que a consciência não lhes pesasse durante o ato.
(E em três tempos, Marley, Candance, amigos de amigos, conhecidos e desconhecidos juntaram-se a eles.)

Politicamente Brusca


Isso é porque as razões da minha atitude não coincidem com o teu alcance de compreensão.
Com essa atitude retardada e jeito escusado, não ignoras a tua esfera pessoal e só consegues pensar “no quanto isto te afeta” a ti. És incapaz de observar a uma distância maior para além de ti, de tentares perceber minimamente que merda é que se passa comigo, contigo e connosco para que esteja a dirigir-me a ti de uma maneira politicamente brusca.
És desprezível. É asquerosa a maneira como me olhas de relance, regalando-me, mas contendo o contemplar para um enfâse de superioridade no teu ser. É nojenta a maneira como andas, de queixo demasiado erguido e como te escondes com o peito erguido e costas arqueadas. É repulsiva a maneira como cospes as tuas palavras apáticas na minha cara, como moldas a aparência para agradares os que te agradam (por pura misericórdia), como te com quem te consegue persuadir usando o corpo destacando e contrastando a tua repugnância e o teu sarcasmo empreendido em tudo relacionado contigo! E como te dizes ser tão inocente, tão puro, tão… vítima de todas estas palavras e da realidade que as carregam.
Não consegues dialogar comigo. Não te esforças para pronunciar algum som, não tentas prestar atenção à minha fala, não te preocupas com o verdadeiro significado das palavras.
Não queres saber daquilo que eu te digo com o máximo de cuidado, não procuras saber as histórias da minha vida, os acontecimentos do meu Presente e o que carrego do meu Passado. Não fazes nada disto porque nada disto te interessa. Não revelas inquietação, nem um pouco sequer, quando te digo que não estou disposta a falar, quando não me sinto bem para continuar com uma conversa, enquanto me escondo da tua face. Não te interessa quando te digo algo que envolva o meu interesse pessoal, a minha felicidade. Não te interessa saber com quem me relaciono, o que faço, nem sequer quem realmente sou.
Só queres saber de quando digo que te amo! Só queres saber quando sacrifico os meus maiores bens, quando deixo tudo para que nada nos separe… quando luto contra tudo e todos para te por a puta de um sorriso na tua cara nojenta e desgraçada! Só queres saber quando estou bem para te abrir as pernas! (oh, que impróprio de mim!)
E encolhes-te, agora! Encolhes-te porque eu tive que oprimir tudo aquilo que senti de lá para cá. Porque eu tive que engolir em seco todas as tuas palavras asquerosas, todas as tuas histórias ultrajadas, todas as tuas mentiras safadas. Tive que aguentar a tua hipocrisia soberana durante todo este tempo! Encolhes-te enquanto te grito, enquanto agito as mãos e os braços no ar, orientada pelo descontrolo da demência! Enquanto endoideço perante ti, perante este tempo infinito de insanidade oculta dentro de mim!
Tremes incontrolavelmente quando me aproximo de ti, agora. Quando quem antes tremia era eu, com um desejo descomunal por ti, com uma loucura insaciável de te ter nos meus braços, mesmo que me esmagasses no teu desprezo, no teu ego-amor, no meu uso.
Olha para mim agora!
Eu cresci, eu mudei. Deixei crescer o cabelo, já não choro por quem não vale a pena. Não preciso de ninguém, agora. Não preciso de ti, não preciso dos teus beijos, não preciso do teu calor nem das tuas palavras. Agora, tenho todos os homens do Mundo! Tenho todos os beijos calorosos que quiser, todos os abraços apertados que quiser, todas as promessas inquebráveis e amores imagináveis que não me soubeste dar.
Achas que sou a mesma rapariga que te enfrentava de olhos húmidos, que estremecia quando te beijava, que tinha medo de falar contigo quando tu nem uma palavra me dizias? Achas que tenho a mesma atitude de olhar para o chão enquanto me olhas para os seios, enquanto espalhas por todo lado o quando não vivo sem ti, do quando lamento para te ver e para te ter? Achas? Achas que me vou martirizar e sofrer e ultrajar-me e atraiçoar-me para só ser usada até que te cansasses dos meus limites?
Olha agora para ti!
Agora, sou eu que não te saio do pensamento, agora, sou eu que não te abandona nas noites longas porque estás demasiado fixo na minha formosura que de descompõe em segundos!
Vê como cresci, como me formei, como me transformei. Aprecia cada curva minha, cada sorriso meu dirigido ao ponto fraco da tua personalidade, cada olhar que eu não evito. Vê-me seduzir-te mesmo na tua frente, sem pudor e sem vacilar, sente a vontade incontrolável que te dou de que me beijes, de que me dispas e que me agarres durante mil e uma noites. Diz como nunca queres que eu te deixe, quando nem olho para trás a ir-me embora. Diz como nunca amaste alguém quando acendo um cigarro depois de uma boa noite. Diz como esperas que um dia seja tua.
Diz! Enquanto eu, sinto-te na minha pele a todo o momento, mas não é contigo que estou.

Alena Elfrith


No meio de algazarra que é uma velha taberna junto ao porto de uma cidade pequena mas agitada à noite, no meio das gargalhadas, das vozes profundas e do som de canecas a baterem umas nas outras, no meio do som de um piano de madeira velho, ouve-se um berro:
- Escutai!
O silêncio ainda demora algum tempo a alastrar-se.
- Escutai, repito! Está uma bela noite para uma das histórias e, oh, há tempo que ninguém tem a bravura de se pronunciar nestas belas noites de Lua amarela e cheiro salgado do mar.
Enquanto fala, uma figura de silhueta feminina levanta-se. De cabelos negros e pele suja, o seu sorriso de alguém atrevido faz-se notar por baixo de uns olhos grandes e escuros sem qualquer marca de idade. Estando já levantada, abre o sorriso e tira a espada para fora enquanto o salão todo eclode em interjeições de surpresa e espanto ao ver a arma que tanto simbolizava.
- Admirai, irmãos! O meu nome é Alena e outrora fui Alena Elfrith.
As interjeições acentuaram-se e nasceram murmúrios. A jovem acabara de pronunciar o nome de um dos piratas mais temidos há uns anos atrás, antes da sua morte. Bem, da sua suposta morte.
- Silêncio! Recordo-me do primeiro dia em que a minha vida tomou outro rumo e terei muito gosto em partilhá-la convosco, meus irmãos do mar. - Sorriu e fez uma vénia, tirando o chapéu com plumas e voltando a pô-lo mal se sentou. - Os meus dias de rebento eram passados a observar tudo o que se passava dentro do navio de meu pai que vós se certeza conheceis, Daniel Elfrith. Ouvia e via tudo o que acontecia, desde a distribuição de cargos por entre os marujos como conversas intimas sobre quem fornicou quem e até discussões de quem perde a cabeça no mar. Dormia ao lado de meu pai, nos melhores aposentos do navio e passava manhãs e tardes a escrever sentada no parapeito da janela do quarto que me dava vista para o mar rebelde mas belo. O mesmo mar que em noites se transformava em algo temeroso e raivoso e que me impedia de dormir ao ouvir gritos, sons assustadores e, sobretudo, a voz grave e poderosa de meu adorado pai. Era a voz de meu pai que não me deixava dormir.
Houve uma pausa de silêncio.
- Vós nem desconfiais do tormento que era ver o meu pai junto a mim com um sorriso amável e com olhos esmeralda cintilando para mim, não sabeis nem sequer o que era sentir o calor do seu corpo a pegar o meu ao colo nem de como era o sorriso tão real que ele me lançava como o seu riso sentido. Meu pai… Eu amava meu pai. Mas naquelas noites de tempestade, o meu pai tornava-se algo inexplicável: feroz, malvado, assustador, aterrador com a sua voz… pavorosa.
Ouviu-se um comentário:
- Ingénua.
Alena levantou-se rapidamente e gritou, irritada pela ignorância do individuo:
- Ingénua e inocente, canalha! Como eu disse, não passava de uma criança! – Levou a mão à espada.
Depois de inspirar fundo, sentou-se, expirando.
- Aquele navio era minha casa e eu nunca saía dele, nunca pisava terra firme e nunca fiz nada de útil para meu pai no navio nem sequer meti conversa com ninguém por iniciativa, apenas deixava que me falassem. Eu olhava de alto meu pai, ele era para mim um máximo modelo. Eu própria me tornei… pirata.
A palavra foi dita com hesitação e com um trago de arrependimento e como tal, a plateia teve uma reacção de medo e voltou a murmurar entre si.
Alena deixou-os vaguear na palavra pois sabia que tinha muito significado. Voltou a inspirar fundo e arrancou a caneca a um homem que se sentava ao pé de si sem sequer murmurar nada.
Este, estupefacto, olhou-a enquanto bebia e passados alguns minutos reagiu, olhando-a com raiva. Alena sorriu-lhe e continuou.
- Como vos estava a dizer, tomei o rumo de meu pai. Participei activamente nas suas viagens e comecei a tomar parte das decisões do navio. Admito que os meus primeiros cargos tratavam-se de limpezas simples e ao mesmo tempo sujas e complexas, de escoar água para fora nas tardes de chuva e ventos fortes, de levar mantimentos aos navegadores nas horas em que a fome falava mais alto… Com o tempo, tornei-me mulher.
Alena levantou-se. Mostrou o seu corpo e deu meia volta para que todos pudessem apreciar as suas curvas perfeitas e a sua cara exótica. Mostrou-se para que vissem a mulher que era.
- Sim, de facto estás uma mulher. – Afirmou o homem ao seu lado, rindo-se e comendo-a com os olhos.
A jovem cerrou o punho e simulou um murro, deixando o homem a tremer os olhos.
- Para vós, é vós. – Avançou – Sendo uma jovem mulher, fui subindo na escala das tarefas. Participei em várias lutas, ordenei movimentos a vários homens e pisei terra firme. Pisar terra firme era algo muito mais obscuro do que imaginava.
- Oh, vida pirata! – Alguém murmurou.
- Sim. Vida pirata. – Riu-se – Meu pai, entrava em casas desconhecidas sem pedir permissão. Roubava pobres e ricos, matava inocentes e culpados, queimava todas as provas. Meu pai, entrava em tabernas sombrias cheias de embriagados que mal sabia falar. Bebia com eles até ficar inconsciente, ria-se mais alto que todos e fornicava com qualquer uma. Vida pirata, chamais-lhe vós?
Ninguém respondeu.
- Pois eu juntei-me a ele. Matei muitos, roubei ainda mais, queimei provas. Destruí lares cómodos, famílias unidas, vidas preciosas. Destrui abrigos e sorrisos fracos e ganhei um belo saco cheio de milhares de moedas de ouro cintilantes, jóias de senhoras, dinheiro vivo, barras de metais precisos que tanto valiam, pedras preciosas e por aí além. Nessas tabernas, deixava-me seduzir por todos e escolhia o mais apresentável para passar a noite. De madrugada partia para roubar navios e destruí-los, como também matar os seus tripulantes. Eu divertia-me. Divertia-me bastante…
- Paguem-lhe um copo. – O homem ao seu lado interrompeu. – A história está a ser uma das melhores que já tivemos por muito tempo.
Chegou-lhe a caneca de cerveja e Alena sorriu e bebeu tudo de um trago.
- Vós estais a criar uma afeição enorme por mim.
- Estou. Ireis continuar?
- Sim. – Deu-lhe uma pancadinha nas gostas e riu-se. – Meus irmãos, nessas alturas eu era Alena Elfrith. Era temida pois era sombra de meu pai, um dos piratas mais perigosos e temidos também. Tão temido que quem o derrotasse era um deus e graças a isso sofri bastante. Era casualmente raptada, estrupada, violentada. Mas isso não me preocupava. Os marujos de meu pai ensinaram-me a lutar. Comecei sem armas, segui para a navalha e por fim, a espada. A espada sempre tinha sido uma paixão minha, tinha sido sempre algo que eu olhasse para cima mesmo que o reflexo do Sol me ferisse os olhos.
- Mostra-nos a tua!
Alena ergueu a espada num ápice que deixou todos receosos da distância entre eles e a sua lâmina curva e o punho dourado, já sem brilho, mas com várias caveiras cravadas e outros símbolos da pirataria. Girou o pulso para que a espada girasse também nas diferentes iluminações e ficou pensativa, sem qualquer expressão facial, a apreciar a espada.
- Alena? – O homem murmurou.
Alena olhou-lhe e pensativa, continuou a apreciar tudo o que lhe vinha diante dos olhos. O que lhe parecia ser um velho homem era na verdade um jovem adulto, sujo e com o rosto carregado mas olhos claros e cabelo de um loiro sujo machucado pelo sal e Sol que junto do seu tom de pele escuro denunciava o seu tempo a navegar ou pescar. Podia-se dizer que o seu rosto até era bonito.
- Esta espada – Voltou os olhos para a espada – é a espada de meu pai.
Arrumou a espada na bainha enquanto deixou que as pessoas da taberna que se começavam a juntar mais e a formar uma multidão maior murmuravam entre si.
- Foi-me dada no momento da sua morte…
- Oh, sim. Eu sei!
Um velho ergueu-se de uma mesa ao fundo e todos se voltaram para ele.
- Uma noite trágica para muitos, um belo sorriso para outros. As nuvens estavam escuras, os ventos sopravam como que se enraivados e a chuva caia sem medo e ferindo a pele nua. O céu gritava fortemente pelos trovões e fazia-se reinar pelos relâmpagos. Teu pai morreu numa tempestade… e supostamente…
- Eu também… - Alena oncluiu a frase.
- Nunca ninguém encontrou corpos.
- No dia seguinte, fui dar à margem de Cardiff.
- O que fizeste de ti?
- Resumidamente?
- Não… - Pediu o jovem ao seu lado.
- Dizei-me o vosso nome.
- Andrew.
- Imbecil. Eu conto como quiser.
Alena olhou em volta. Revirou os olhos várias vezes, apreciando a madeira gasta do balcão do bar vazio em que o próprio bartender se aproximou para escutar a sua história. Apreciou o piano sem pianista com algumas teclas já partidas e o tampo riscado. Ergueu a cabeça e apreciou mesas ao longe vazias com copos sujos e o chão imundo que seus pés pisavam. Voltou a baixar os olhos e apreciou quem a rodeava. Pessoas idosas, como jovens e até pequenas crianças estavam presentes. Homens com olhos de esfomeados e mulheres que fugiam ao olhar de Alena. As crianças olhavam-na com espanto.
- Acordei numa cama pequena. Nesse dia não me sentia muito bem e não me lembrava de nada. Levantei-me, olhando em volta, achando que me tinha embriagado e permanecido na casa de alguém que teve uma noite bastante calorosa. Abri a porta em silêncio e fui confrontada com um jovem como vós, Andrew.
Andrew sorriu.
- Descobri em pouco tempo porque estava lá. Um velho pescador tinha-me encontrado na praia, desfeita, magoada, molhada e poderia muito bem arranjar mil e um adjectivos para me descrever. A sua mulher cuidou de mim, vestiu-me e alimentou-me dando abrigo e tudo o que eu necessitasse. Eu continuava sem memória.
- Conta-nos quem era o jovem! – Pediu uma rapariga.
- Estais interessada em saber precisamente o quê?
- Tudo!
- Choquei com ele e baixei os olhos. Vivemos dias e noites juntos debaixo do mesmo tecto e por fim houve contacto, houve palavras, comunicação e por aí em diante. Chamava-se Arthur e estudava nas manhãs e divertia-se a escrever nas tardes de Verão em vez de sair à rua e lutar com outros jovens ou galar raparigas. Arthur nunca me tinha falado, nunca me tinha perguntado se eu já me lembrava de alguma coisa e eu também nunca tive a coragem para lhe dirigir a palavra. Mas com um texto dele na minha mão, julgava que o entendia como ninguém. Lia tudo o que escrevia sem ele perceber, lia toda a vida dele descrita em grandes e pequenas perífrases e pleonasmos.
- O que aconteceu?
- Arthur apanhou-me a “lê-lo”. – Gesticulou as aspas com os dedos. – Puniu-me com os olhos e disse-me que não queria que o invadisse. Eu limitei-me a elogiá-lo.
- E então?
- Começámos a falar bastante e a partilhar pontos de vista e informações que contínhamos. Falávamos desde como o dia estava até como eram as ondas do mar, os raios de Sol num dia de chuva e filosofias lamechas de um casal invulgar de namorados.
- Escrevíamos poemas e líamos um ao outro, improvisávamos no momento e comentávamos a coisa mais simples tornando-a em algo colossalmente composto. Lemos histórias, contos, glossários e todos os livros da pequena biblioteca da cidade juntos. Pintámos o oceano, os rochedos, a areia, pintámo-nos um ao outro. Arthur tocou-me serenadas de amor, de tristeza, de raiva, de medo, de felicidade, de esperança e de todos os sentimentos que possuía para que eu soubesse o que ele sentia.
Ouviu-se um suspiro.
- Mas este clima próspero pouco demorou.
- Explica-te – Alguém pediu.
- Os meus sonhos foram invadidos pelas minhas memórias embrumadas. Achava-os apenas pesadelos mas a minha vida foi recriada na minha mente. Todas as noites passadas a matar, todos os meus gemidos e os gemidos aos meus ouvidos perseguiram-me. Pessoas falavam comigo e fizeram-me querer tapar os ouvidos e deixar de ouvir a melodia de Arthur. A minha noite tornou-se um tormento que passou a assombrar-me nos meus dias perfeitos.
Parou por um pouco e olhou para a porta, com vontade de deixar a história a meio e sair para se afogar nas lágrimas que começavam a teimar em sair. Levantou a cabeça para as impedir e pediu um copo de vinho que o bartender foi a correr para a servir.
Ficaram o tempo todo do copo ser servido a olhar para o nada. Alena continuava fixada no tecto e quando o copo chegou, não esperou e mesmo com as mãos a tremer ergueu o copo e num trago esvaziou-o.
- Sonhei com a morte de meu pai e aí soube que era pura realidade.
- Contaste a Arthur?
- Não. Escondi-lhe até ficar corroída por dentro ao ponto de não sair, não falar, não escrever nem pintar nem ouvir nada que fosse som. E, vivendo na mesma casa que ele, desconfiou. Insistiu. E eu completamente louca tanto por desespero como por amor, caí em lágrimas e desabafei.
Silêncio.
Silêncio.
Muito mais silêncio.
- Bem, tive que sair da cidade antes que Arthur me matasse de raiva. Não acreditava em mim quando lhe dizia que tinha estado sem memória, deixou de acreditar em tudo o que lhe disse e escrevi e nas minhas emoções expressas nos quadros e desenhos.
Alena riu-se.
- Mudaste-te para cá…
- Não. Tenho estado a viajar pelos mares, a ser pirata sem tripulação e sem matar. Tenho vivido à noite a beber e a fornicar e a dormir de dia enquanto o Sol brilha para me preparar para mais uma noite.
Alena riu-se mais.
- Alena…
- Não… Na verdade, tenho enchido o vazio de Arthur com o álcool, tenho tentado substituir o calor do seu corpo com estranhos de um bar num estado mais miserável que o meu e tenho substituído a escrita e a pintura com a escuridão do meu coma e sono.
Silêncio.
- Chama-me louca! – Gritou. – Chama-me cabra e diz-me tudo aquilo que sou.
Alena levantou-se com os olhos em fogo, caindo em lágrimas. A sua voz tornou-se rouca mas repetiu as palavras algumas vezes até se sentou rapidamente e colou as mãos à cara e o seu choro ecoou pela sala toda.