Olhou, estupefacta, para o que tinha na mão: um pedaço de
papel, vulgar fotografia, tão simples e vulnerável a ser despedaçado nas suas próprias mãos tinha
acabado de a despedaçar a si.
Logo agora, tão segura e convencida de um amor eterno. Logo
agora, os ciúmes se apoderavam dela, fervilhando no seu peito e causando-lhe a
maior dor e sofrimento imaginável. Enquanto uma outra se apoderava da mão do
seu suposto amante eterno.
E, tomada pela sensação poderosa do desconsolo, deixou-se
cair sobre o chão.
Trémula, sentia pequenos suores frios percorrerem-lhe o
corpo, uma dor latejava na sua cabeça e a visão tornava-se cada vez mais turva.
Levou as mãos à cara, convencendo-se que não estava a chorar, enquanto largava
soluços involuntários do choro comprimido.
Sentia-se humilhantemente suja. Sentia-se pior dado à sua
reação momentânea do que ao motivo que a fizera traduzir desgosto em lágrimas.
De um certo modo, sentia-se a criatura mais ignorante à face da Terra e, assim
consequentemente, a mais enraivecida (consigo própria).
Aí, os seus punhos cerraram-se sobre si, deixando as
unhas cravarem-se nas palmas das suas mãos e mordeu o lábio inferior,
reprimindo a sua angústia.
Os seus olhos estavam encarnados, esbugalhados e,
contrariamente ao que estava a sentir, vazios. A sua cara apagou qualquer
vestígio de fúria, ultraje ou melancolia que ainda há poucos momentos sentira e
o seu corpo murchou, abatendo-se no chão frio.
Mergulhava agora num transe de reflexão. Os seus
sentimentos e emoções tinham tomado tanto o seu estado físico que, com tanto
peso emocional no seu âmago, nem chorar, nem gritar, nem partir a mobília
toda do quarto a iriam ajudar a expelir as vocações malévolas da sua cabeça.
Precisava de se proteger. Precisava de aguentar a
pressão. Precisava de pensar.
Amar punha-a
doente.
Não o amar
controlado. Não o amar que é analiticamente estudado, preparado e voluntário.
Não o amar que se podia limitar em barreiras de segurança contra qualquer fonte
de pânico. Seja ela ciúme, inveja, traição ou carência de sentimento.
Era um novo amar.
Um amar que se
opõe a qualquer defesa ética e moral. Opõe-se aos limites psicológicos da
sanidade e bem-estar.
O amar que tão
fortemente a consumia, num grito de desejo por qualquer toque, palavra ou
gesto. O amar que transformava tudo numa utopia irreal de um amor platónico,
num sonho de poeta mal-amado, numa obra lírica de romance impossivelmente
perfeito. O amar que, ao mesmo tempo, a endoidecia numa obsessão paranoica por
amar e ser amada.
Esse amor é
vontade, é ânsia, é desejo e é querer incessantemente, incondicionalmente,
plenamente, inconscientemente, involuntariamente.
Esse amor é
enlouquecedor.
E chorou. Por amar
tanto que não havia mais anda a fazer.
Chorou até adormecer.
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