Victoria saiu da casa da praia sem dizer uma única
palavra, desta vez.
Seguiu o mesmo rumo que tomava todos os dias, num vestido branco que sempre vestia e pegando ao seu lado mais uma tela e tintas com os seus numerosos pincéis de todos os tamanhos e grossuras. Ignorou o vento que movia os cabelos rútilos para a frente dos olhos negros sem qualquer tom de sensibilidade. A expressão da sua cara era vaga e vazia, sem qualquer traço de alegria ou tristeza, o que condizia perfeitamente com o olhar e a linha recta dos seus lábios pálidos como a pele.
Andava descalça pelo caminho de pedra que havia desde o portão da casa da praia até perto de um penhasco. O resto era areia e pequenos tufos de relva sem cor.
Victoria sentava-se no chão, levando com a brisa quente na cara e pintava sem suporte o mar.
Fazia este pequeno ritual todos os dias de manhã, quando o céu ainda era composto por cores quentes e quando ainda não havia ninguém no mar. Depois do seu quadro estar completo, voltava a casa e nunca mais ninguém sabia do seu destino nem nunca alguém ouvia algum murmúrio da residência de madeira clara e gasta...
Seguiu o mesmo rumo que tomava todos os dias, num vestido branco que sempre vestia e pegando ao seu lado mais uma tela e tintas com os seus numerosos pincéis de todos os tamanhos e grossuras. Ignorou o vento que movia os cabelos rútilos para a frente dos olhos negros sem qualquer tom de sensibilidade. A expressão da sua cara era vaga e vazia, sem qualquer traço de alegria ou tristeza, o que condizia perfeitamente com o olhar e a linha recta dos seus lábios pálidos como a pele.
Andava descalça pelo caminho de pedra que havia desde o portão da casa da praia até perto de um penhasco. O resto era areia e pequenos tufos de relva sem cor.
Victoria sentava-se no chão, levando com a brisa quente na cara e pintava sem suporte o mar.
Fazia este pequeno ritual todos os dias de manhã, quando o céu ainda era composto por cores quentes e quando ainda não havia ninguém no mar. Depois do seu quadro estar completo, voltava a casa e nunca mais ninguém sabia do seu destino nem nunca alguém ouvia algum murmúrio da residência de madeira clara e gasta...
A porta da entrada da casa de praia fechou-se, guinchando, atrás de mim. Não tive reacção pois todos os dias era sempre o mesmo percurso, a mesma porta, a mesma casa. Recordei por momentos o dia anterior que seria cópia do dia de hoje e recordei o meu nome assinado em todos os quadros idênticos que pintava nesse percurso. Não sorri ao pensar que se voltasse atrás naquele momento iria deparar-me com mil e uma pinturas do mar umas vezes tenebroso, outras alegre e outras vazio.
Sem hesitar, dei um passo à frente. Não havia vento que me empurrasse o cabelo e me impedisse de ver, mesmo já eu sabendo o caminho de cor. O calor incomodava-me mas não ao ponto de querer dar meia volta e regressar à casa desguarnecida. Cheguei-me ao máximo que podia chegar para contemplar o mar calmo que nem um som fazia e sentei-me.
Lembrei-me do meu nome e de como não me lembrava de o ter pronunciado alguma vez para além destas pequenas memórias que possuía do dia anterior ao dia que estava a viver.
- Vic... toria.
E ouvi a minha voz pela primeira vez que me recordasse. A palavra "memórias" ecoou na minha cabeça por uns segundos. Seguiu-se "lembranças", "lembrar", "recordar", "recordações" e múltiplos sinónimos de "memórias" e "lembrar".
Acontece que o dia anterior ao dia que estava nesse momento a viver, era fácil de recordar. De como saía da casa de praia e caminhava para ter a melhor vista para pintar e transmitir a minha visão para a tela.
Não havia resto. Saltava um vasto negro à minha vista quando me esforçava ao recordar do resto.
Esse negro já me transtornava e fazia em mim nascer algo assustador e aterrorizante.
A minha pele pálida arrepiou-se num ás e encolhi-me em mim própria, abraçando os meus joelhos. Senti o ar escapar-me dos pulmões e não conseguia apanhá-lo de volta, não conseguia respirar. O calor incomodativo transformou-se em algo gélido mas mesmo assim eu suava friamente.
Lembrei-me porque é que no dia anterior ao que estava a viver não me tinha lembrado das memórias que possuía, lembrei-me que as memórias me deixavam num estado deprimente que me auto-destruía.
Ergui a palma das mãos, com vista para os meu braços e o meu olhar encheu-se de lágrimas. Lembrei-me que as recordações que sustentava nos confins do meu peito que tinham feito aquele mal e me tinham deixado repleta de cicatrizes tanto visíveis como invisíveis mas que doíam mais do que nunca ao serem recordadas.
Lembrei-me que quando me recordava das misérias escondidas por mim própria, estava num local trancada onde a insanidade ao tomar posse de mim não me poderia magoar.
Acontece que a insanidade (des)controlou-me. E eu estava no local com a melhor
Poderia pintar algo magnífico. Retratar-me como morri e como expirei no fundo do mar calmo e pacífico.
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