“Literatura” é a palavra utilizada como o conceito de
representar qualquer tipo de realidade que rodeia o artista e que, por ele
mesmo, é convertida em conjuntos de fragmentos linguísticos que se interpretam
no seu conjunto total.
Ao longo do tempo, a arte de escrever tem sido aceite
socialmente de acordo com as correntes literárias da época em questão (como,
por exemplo, o romantismo, realismo ou mesmo o modernismo), contudo, é
irrefutável a autoexpressão contida e, por vezes, escondida entre as linhas.
A arte que constitui a escrita não está presente na
qualidade do texto, na profundidade das palavras ou mesmo nos efeitos
utilizados para “emoldurar” as frases (estou a falar de recursos estilísticos –
como o próprio nome denuncia -, na escolha de organização ou modelo de
referência – se é conto, poesia, novela, romance, …).
Quando observamos uma pintura, é fácil reparar na astúcia do
autor, nas suas pinceladas, nas cores utilizadas ou até nos métodos mais
invulgares que passam despercebidos ao olho inexperiente. Mas, desde o início
ao fim, é a imagem total que memorizamos e, por sua vez, origina questões como
“Qual terá sido a inspiração para este quadro?”, “Que estava o pintor
observando ou idealizando?” e mesmo às vezes “Será que o uso destacado de azul
remete para a infelicidade do artista?”; e isto são apenas exemplos.
A verdade é que acabamos sempre por querer viver e
experienciar o contexto psicológico do artista: entrar dentro da sua mente e compreender
a sua arte, como na matemática 1+1 ser 2, nu e cru.
E a verdade nua e crua é que, tal como estes objetivos são
inalcançáveis, o mesmo se passa na arte de escrever e toda a sua obra envolve o
eu-interior do escritor: as suas opiniões, as suas emoções e sentimentos, o seu
prazer e a sua dor.
Já tinha Fernando Pessoa chegado à conclusão que a poesia
era um fingimento que se dividia em quatro abordagens: a dor sentida, a dor
escrita, a dor lida e a dor sentida pelo leitor (“Autopsicografia”). Eu venho
aplicar essa maravilhosa teoria ao mundo da escrita e generalizar e aprofundar
essas quatro dimensões a toda a literatura.
Começo primeiro por denunciar a extrema obsessão de Fernando
Pessoa relativamente ao sofrimento. Não negando as quatro dores mencionadas,
venho apenas abranger, não só a dor, mas como toda a vastidão de emoções
guardadas na mente do artista: a felicidade, a raiva, a inveja, a angústia, a
euforia, o cansaço, etc.
Então, podemos avançar para as quatro dimensões da escrita
diretamente:
A primeira dimensão é a dimensão da emoção: o momento
preciso em que surgiu um fogo invisível dentro do artista que o levou a querer
escrever – a chamada inspiração. Já a segunda dimensão envolve o processo de
transformação das emoções sentidas anteriormente num texto: ocorre uma
metamorfose entre o abstrato para um concreto que tem como afinidade descrever
o abstrato, sempre em relação intima como o subjetivo do autor.
Posteriormente, a terceira dimensão é o que o leitor entende
pelo que está escrito, terá que interpretar todas as palavras escritas e
dar-lhe um significado. Pela constituição da psique humana, o leitor irá
recorrer às suas próprias memórias e conhecimentos para poder recriar a ideia
original expressa. Sendo assim, é criada esta dimensão que excluí quase na
totalidade a presença do escritor.
Finalmente, a quarta e última dimensão, que se inicia ao
mesmo tempo que se lê a primeira palavra, continua quando pousamos o
livro/folha/ e nunca termina, ou seja, a dimensão em que as emoções expressas
no texto são transformadas em emoções do leitor, são gravadas para sempre e
influenciarão os comportamentos e atitudes futuras.
Retomando ao curso principal desta minha crónica, as quatro
dimensões da escrita são uma teoria que para além de explicar o conteúdo
psicológico, mental e personalizado do texto, explicam o porquê de ser
impossível alcançar as respostas às perguntas acima referidas. As quatro
dimensões da escrita são uma prova que é impossível alcançar o eu-interior do
artista e que a arte reflete apenas um grão de toda a areia do inconsciente
humano.
E a arte de escrever está precisamente na beleza do
desconhecido e na maneira como ele abrota, vem ao de cima e se liberta sem
nunca conseguirmos compreender bem como e o que realmente significa.